quarta-feira, 5 de março de 2014

Cuidados com a apresentação dos fluxos de caixa de juros e dividendos na DFC com o professor Bruno Meirelles Salotti

A Demonstração de Fluxos de Caixa, conhecida pela sigla DFC, é uma demonstração contábil cuja divulgação se tornou obrigatória no Brasil para a maioria das empresas a partir de 2008, a partir da vigência da Lei n. 11.638/07. Essa demonstração veio para substituir a então obrigatória DOAR – Demonstração de Origens e Aplicações de Recursos. Fundamentalmente, seu objetivo é evidenciar de que forma a entidade está gerando e consumindo caixa, afinal, ter lucro no longo prazo é fundamental, mas esse lucro precisa se converter em caixa, caso contrário, a empresa pode enfrentar problemas de liquidez.

Os padrões de elaboração e divulgação da DFC são definidos pelo Pronunciamento Técnico CPC 03, que atualmente se encontra na versão R2, aprovada em 2010 pelo CPC e regulamentada pela CVM, CFC, CMN, ANS e SUSEP. Esse documento, por sua vez, foi elaborado com base na norma internacional IAS 7 – Statement of Cash Flows, emitida pelo IASB – International Accounting Standards Board.

As informações sobre recebimentos e pagamentos são organizadas na DFC em três grupos. Os fluxos precisam ser subdivididos de acordo com as atividades que ocorrem em uma empresa: operacionais, de investimento e de financiamento. Essa classificação deve seguir as orientações do CPC 03, então, por exemplo, o fluxo decorrente de vendas de mercadorias e serviços é classificado na atividade operacional; a saída para adquirir um ativo imobilizado é alocada à atividade de investimento; e a entrada advinda de um empréstimo bancário é demonstrada na atividade de financiamento.

Porém, alguns fluxos específicos, como os relativos a juros e dividendos (incluem-se neste os juros sobre o capital próprio), são de difícil classificação e, por conta disso, o CPC 03 se refere a esses fluxos de forma explícita, nos itens 31 a 34. E, tendo em vista que a relação desses fluxos com as atividades pode ser interpretada de maneira diferente, tanto o CPC 03 quanto a IAS 7 permitem com que a entidade escolha a melhor classificação.

De forma resumida, tanto os juros quanto os dividendos recebidos podem ser classificados tanto na atividade operacional quanto na atividade de investimento. Por outro lado, os juros e os dividendos pagos podem ser inseridos na atividade operacional ou na atividade de financiamento. Claro que não estamos falando de uma instituição financeira, em que os juros pagos e recebidos são puramente operacionais.

Essas escolhas podem ser vistas de diferentes perspectivas.

Se você está do lado da empresa, preparando as demonstrações contábeis, deve ter conhecimento dessas opções e, o mais importante, fazer uma escolha contábil que retrate o entendimento da administração sobre a melhor maneira de apresentar tais fluxos. Essa escolha deve ser divulgada e manter-se ao longo dos períodos contábeis, a menos que a entidade decida mudar a sua política. Neste caso, deverá seguir as orientações do CPC 23 – Políticas Contábeis, Mudanças de Estimativas Contábeis e Erros.

Se está do lado da auditoria externa, é importante verificar se a empresa está fazendo as escolhas dentro dos limites do CPC 03, se está divulgando adequadamente tais escolhas e se está mantendo a consistência em relação às classificações de períodos anteriores (ou, se mudou de política, verificar se a entidade seguiu adequadamente o CPC 23).

Mas o mais crítico é o papel do analista, seja ele interno ou externo. Digo isso porque se esse profissional não souber das opções existentes e não souber identificar quais as opções escolhidas pela empresa objeto da análise, ele pode estar sendo iludido, por exemplo, ao realizar comparações entre fluxos de uma mesma empresa ao longo do tempo (e houver mudança de política entre esses períodos) ou ainda, o mais provável, ao comparar fluxos de entidades que realizaram escolhas diferentes. E lembrem-se, estamos falando de recebimentos e pagamentos que, em geral, costumar ser muito expressivos.


Portanto, da próxima vez que estiver diante de uma DFC, antes de sair loucamente fazendo análises e calculando indicadores, questione-se: onde mesmo estão classificados os juros e dividendos pagos e recebidos? Certamente essa informação trará maior riqueza para as suas análises e evitará conclusões incoerentes. Bom trabalho!!!

Bruno Meirelles Salotti (brunofea@usp.br)
 Prof. Dr. do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP

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